ESPECIAL
Apollo 13, a odisséia dos
homens sem medo
22 de abril de 1970
Este maravilhoso libelo escrito em 1970 na revista VEJA é um sonho, parece uma
utopia. Mas foi assim, eu vivi isto, era criança. Hoje tolos e arrogantes afirmam
que os homens não chegaram a Lua. Decididamente não sabem o que estão falando. Acredito
na humanidade e na sua infinita capacidade de superação. E em coragem, como
desses três heróis, Lovell, Haise e Swigert. Leiam. Vão se admirar!
A bola de fogo riscou o céu a quase 40.000 quilômetros
por hora. Mas foi contida violentamente pelo formidável atrito com o ar e, a 3.000 metros de
altura, três grandes pára-quedas de gomos vermelhos e laranja conseguiram
transportá-la suavemente, varando as densas nuvens que cobriam o oceano
Pacífico, a uns 1.000
quilômetros a sudeste de Pago-Pago (a cerca de 12 500 quilômetros
de Brasília). O pouso tranqüilo da nave Odisséia, às 3 horas e 8 minutos da
tarde de sexta-feira, foi saudado pelas estridentes sirenes da Feira Mundial de
Osaka, no Japão, dos edifícios dos jornais de Buenos Aires, Argentina, e pelos
sinos das igrejas de Gallup, Novo México (EUA). A Bolsa de Valores em Nova York parou e uma
chuva de papel picado enfeitou o ar carregado da Wall Street. Durante 83 horas,
os perigos que os tripulantes da nave - agora flutuando sem bandeira nas águas
também mansas do Pacífico - viveram perto de outros mundos conseguiram unir,
nas orações e manifestações de solidariedade, quase todos os homens da Terra.
Centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo, interromperam suas atividades
para assistirem, pela televisão, à operação de resgate feita por helicópteros
da Marinha americana. Em Viena, os políticos que procuravam formar o novo
governo austríaco de coalizão abandonaram as conversações; o primeiro-ministro
britânico Harold Wilson cancelou um discurso em Dalington; em Los Angeles, durante
as últimas horas, até o crime tirou uma folga; e em Las Vegas, os dados com
suas combinações de pontos pretos ficaram por alguns momentos esquecidos sobre
o pano verde das mesas de jogo.
Mas a emoção de toda a humanidade reunida não foi
suficiente para atravessar a potente couraça da nave Odisséia, que na reentrada
da atmosfera suportara 2.300 graus centígrados de calor. Quando, com o auxílio
dos homens-rã, passaram da nave para o bote de borracha que os esperava junto à
escotilha, os astronautas James Lovell, Fred Haise e John Swigert não mostraram
nenhuma emoção. Mesmo depois de transportados pelos helicópteros para bordo do
porta-helicópteros Iwo Jima, as únicas reações foram sorrisos e acenos
discretos. Nem uma palavra diante do amontoado de microfones instalados no
navio à sua espera. Apenas apertaram a mão do comandante, ouviram seus elogios
e acompanharam (mãos cruzadas na frente, cabeças inclinadas, olhos fechados) o
capelão numa rápida oração de agradecimento. Em seguida, nove médicos
examinaram os astronautas: o mecanismo humano estava perfeito, física e
mentalmente. Todos os incríveis perigos pelos quais passaram não os
perturbaram. Lovell, Haise e Swigert haviam sido bem treinados para sua
profissão: o perigo.
E a volta? - Numa noite de setembro do
1962, o novato James "Jim" Lovell recebia uma das primeiras aulas
práticas do treinamento para astronauta: gastar algumas horas da noite no
Observatório de Flagstaff, Arizona, olhando a Lua. "Era completamente
diferente" comentou mais tarde, "observar a Lua ali, viva, e olhá-la
numa fotografia. Senti-me quase capaz de transportar-me, através do telescópio,
até alcançá-la. E, por um minuto ou dois, fiquei pensando como seria possível
voltar da Lua. Então ocorreu-me que a satisfação de chegar lá seria tão grande,
que eu não me preocuparia com a volta." Quase oito anos depois, no dia 14
de abril de 1970, terça-feira, 0h07 (dia e hora de Brasília), os diálogos monótonos
transmitidos pelos alto-falantes do Centro Espacial de Houston continuaram no
mesmo tom, apesar das novidades assustadoras:
Lovell: "Hey, Houston, temos um
problema aqui."
Houston: " Aqui, Houston. Repita, por
favor, Jim."
Lovell: "Temos problemas. Há várias
luzes de advertência acesas no painel de comando. Parece falha no sistema elétrico."
Houston: "Leiam o capítulo
"Urgência", páginas rosadas, de 1 a 5. Reduzam o consumo de energia."
Lovell: "OK, anotado. Estou com o
livro. Você quer dizer redução até 10 ampères, não?"
Houston: "Certo, Jim. O que você acha
que houve?"
Lovell: "Ainda não sei. Ouvimos um
barulho forte no MS (módulo de serviço)."
Houston: "Suspendam o funcionamento
de todos os comandos possíveis. Troquem as conexões elétricas entre os geradores
e informem os resultados."
Lovell: "A unidade de combustível
número 3 deixou de funcionar. O oxigênio na cabina está escapando."
Swigert: "A linha elétrica B
(principal) está morta. A célula de combustível número 1 e o compressor também
estão com problemas."
Houston: "Parece que vocês estão
perdendo oxigênio do gerador número 3. Fechem a válvula de combustível do número
3."
Haise: "A nave está oscilando. Não
posso controlá-la. A pressão do oxigênio na cabina continua diminuindo."
Houston: "Liguem a bateria de
emergência. Estamos estudando a possibilidade de vocês usarem o ML (módulo
lunar) como bote salva-vidas."
Lovell: "Já pensamos nisso. E
começamos a colocar em funcionamento o ML."
Houston: "OK, fim. Seus três
geradores de energia estão parados. Restam apenas quinze minutos de energia
elétrica no MC (módulo de comando). Passem para o ML e utilizem seus sistemas.
Desliguem os sistemas do MC."
Lovell: "OK, Houston, agora estamos
indo para o bote salva-vidas."
Houston: "Certo, fim. Começa a Era do
Aquário (denominação do módulo lunar, o bote salva-vidas)."
Às 2h13 (Brasília) é cancelada a descida na Lua e
são iniciados os planos para trazer os astronautas de volta à Terra na
sexta-feira.
Era a volta, o mesmo tipo de regresso que não
preocupava Lovell nos seus tempos de cadete do espaço. O alarme dado a 323.000 quilômetros
de distância da Terra - e, por isso mesmo, o mais grave acidente da curta
história espacial - foi urgente, mas sereno. Para três astronautas, ameaçados
de morrerem sufocados a meio caminho do nada, a preocupação maior ainda era o
fracasso da missão.
O 13 dá azar? - Até surgirem os problemas,
ninguém se preocupava com os três homens lá em cima. Para a maioria
dos homens, as expedições lunares haviam-se tornado cansativamente perfeitas e,
portanto, não interessavam mais. As minorias fanáticas por assuntos técnicos
também estavam tranqüilas: haviam assistido a um show de variedades espaciais
transmitido em cores por algumas estações de televisão (as principais redes dos
Estados Unidos não o transmitiram por considerá-lo rotineiro). Marilyn Lovell e
seus quatro filhos, Mary Haise e os três filhos (espera outro para junho), J.
Leonard Swigert e esposa, pais do solteiro Swigert, foram, ao lado do pessoal
do Centro de Controle dos Vôos Espaciais Tripulados de Houston (Texas), os
telespectadores mais interessados. Quando terminou o show lunar, os familiares
ergueram brindes ao sucesso da expedição e os técnicos enviaram felicitações
formais aos protagonistas, seguidas de nova tarefa: observar o cometa Bennett e
se possível fotografá-lo.
Imediatamente após o show, o drama e as risadas
foram apagados pela apreensão. Seria a fatalidade? Preocupada com a grandeza
sideral, a elite da Nasa não se deixa levar por crenças tão terrenas. E
conseguiu provar (hoje a opinião pública mundial considera o retorno da Apollo
13 um sucesso maior até que a conquista da Lua) quê o número 13, afinal, não
merece a sua fama.
O azar do número 13 é urna das três grandes
superstições americanas (as outras duas: gato preto e passar sob escada). Em
prédios de apartamentos e hotéis freqüentemente não existe o andar número 13
(salta do 12 para o 14). Não há hipótese de o 13 dar sorte, como acontece no
Brasil. A superstição atinge a numeração nas camisas de jogadores de esportes
coletivos, os cavalos de corrida e o número de pessoas à mesa. Mas, apesar da
tradição americana, 13 era o número do gigantesco conjunto Saturno-Apollo
encarregado da terceira missão de pouso na Lua no espaço de nove meses. Os
cientistas marcaram o lançamento, pelo horário de Cabo Kennedy, para as 13
horas, 13 minutos e 13 segundos do dia 11 último (19h13 GMT ou 16h13 de
Brasília). Na "time table" (cronograma) da missão, onde é determinada
cada etapa do vôo em horas e minutos, mais de 29 operações estavam previstas
para horários terminados com treze minutos (inclusive todos os horários de
refeição e descanso).
A NASA tampouco se deixou impressionar pelos
problemas surgidos antes e imediatamente após o lançamento da astronave. Quando
colocado na plataforma de lançamento número 39-A de Cabo Kennedy, em dezembro
do ano passado, o conjunto Apollo 13 tinha sua saída marcada para as 17h28 (do
Rio) do dia 12 de março último. Três semanas antes da data, foi anunciado o
adiamento para 11 de abril. O motivo? A NASA falou num reescalonamento dos
vôos, provocado pelo cancelamento das Apollos 19 e 20. Mas logo depois os
jornalistas descobriram um motivo adicional: durante a alunagem, a tripulação
da Apollo 12 comunicara alguns problemas (entre eles a falta de visão) que
teriam de ser resolvidos para a tranqüilidade da viagem da Apollo seguinte.
Em 25 de março (nesse dia Lovell completou 42
anos) as equipes de lançamento lutaram quatro horas para apagar um incêndio
irrompido durante uma operação simulada de abastecimento do Saturno. Era um
teste de rotina, mas o oxigênio espalhou-se mais do que devia e explodiu ao
alcançar o motor quente dos caminhões blindados de salvamento, que estavam próximos.
Os caminhões se incendiaram. Não morreu ninguém e o acidente passou quase despercebido
aos jornalistas que cobriam a preparação do vôo. Mas, no dia 6 de abril, um dos
astronautas da equipe de reserva da Apollo 13 apareceu com rubéola.
Thomas K. Mattingly 11, 34 anos, que seria o
piloto do módulo de comando, não tivera a doença quando criança (como Lovell e
Haise) e, portanto, não estava imune ao contágio de seu colega da equipe
reserva. Estaria Swigert, piloto reserva, capacitado a substituí-lo? A dúvida
manteve o lançamento em suspenso (podia ser adiado novamente, para o dia 9 de
maio) até 24 horas antes do momento previsto. Mas Swigert foi aprovado e
Mattingly assistiu zangado à saída da Apoio 13 (ainda estaria zangado agora?).
Simultaneamente, o pessoal que trabalha na grande estação de rastreamento de
Muchea, na Austrália (a segunda mais importante do sistema) ameaçou entrar em
greve de vários dias. Enquanto mais esse problema era resolvido, os
encarregados do lançamento descobriram um súbito aumento de pressão do gás
hélio (nos tanques de combustível é esse gás que dá a pressão necessária). Essa
dificuldade também foi resolvida e o foguete partiu, para comunicar minutos
depois que o motor número 5 do segundo estágio deixara de funcionar antes da
hora determinada (ainda antes de terminar a viagem, entre muitos outros
problemas, surgiria a ameaça de um furacão que colheria os astronautas no seu
pouso de emergência; a tormenta, felizmente, dissipou-se).
Todos esses problemas em nada alteraram a fria
segurança dos técnicos da NASA. Nos astronautas, experientes pilotos de provas
acostumados a deixarem o medo em terra, também não provocaram qualquer efeito.
A opinião deles pode ser resumida nas palavras do veterano comandante Lovell,
minutos depois da partida: "É muito bom estar aqui em cima de novo".
No perigo, risadas - Há uma velha
discussão: os astronautas são homens ou robôs? O certo seria dizer que são uma
mistura de ambos, devido a um exaustivo trabalho de condicionamento de reações.
O seu corpo é submetido a todos os tipos de provas: aceleradores que os conduzem
a altíssimas velocidades ao longo de um trilho, ou centrifugadores, onde sofrem
as pressões fantásticas semelhantes às da saída do foguete equivalentes a de
quatro a seis vezes o peso do corpo, praticamente esmagando o astronauta. Os
pilotos de provas são colocados em simulacros de naves, onde uma espécie de
gigantesco liqüidificador os atira para todos os lados.
Ao parar, são imediatamente obrigados a
restabelecer uma rota imaginária. Em outros ambientes enfrentam a imponderabilidade,
ruídos de enlouquecer e bruscas mudanças de temperatura, do calor intenso para
o frio enregelante.
Em todas essas provas, o comportamento de cada um
deles teria de mostrar-se estável, adequado, normal. Mas há outros testes.
Passam horas e até dias em cabinas especiais dominadas pela escuridão e pelo
silêncio absolutos e não podem apresentar qualquer reação de desespero. Os
treinamentos - intercalados por milhares de aulas das mais avançadas ciências e
técnicas - não se limitam às instalações da NASA. Espraiam-se por montanhas,
florestas, mares, regiões árticas e desertos, onde aprendem a sobreviver em
condições desanimadoras até para exploradores experimentados.
Mas, afinal, para que tudo isso? Qual o objetivo
principal? Riscar o medo do vocabulário do astronauta, preparando-o para
enfrentar com lucidez e eficiência qualquer situação de perigo. Virgil Grissom,
um mês antes de morrer queimado na explosão da Apollo 6 (e depois de quase
morrer afogado no fim do segundo vôo da série Mercúrio), afirmou, numa palestra
no Massachusetts Institute of Technology: "O perfeito conhecimento do
perigo inerente à sua profissão faz com que o astronauta se acostume com ele,
sem se apavorar. Todos devem aceitar a idéia de que, mais cedo ou mais tarde,
poderão ocorrer acidentes fatais com os astronautas. E essa morte não deve, de
modo algum, interromper as experiências, pois alguém tem que examinar o caminho
que depois será percorrido talvez por todos os homens. Essa é a nossa
função".
Grissom tinha plena convicção do que disse e
sabia, por experiências próprias, que ele e seus colegas, desde o começo,
sempre foram homens sem medo. Em dezembro de 1958, Grissom e mais sete homens
tinham sido finalmente aprovados, entre as centenas de voluntários, para a
primeira turma de astronautas americanos. O Dr. Charles Berry, médico da NASA,
foi conversar com eles numa sala onde só havia oito cadeiras e uma pequena mesa
a um canto. A sala, com paredes de metal e totalmente estanque, era usada para
acostumar os pilotos a vôos de grande altura. Os oito homens ocuparam as
cadeiras e o Dr. Berry, em pé, fez um pequeno discurso, congratulando-se com
eles por terem sido escolhidos. De repente, o médico tirou do bolso uma
granada, arrancou o pino e atirou-a ao chão. "Essa é uma pequena
lembrança", disse, saindo rapidamente da sala e fechando a porta de
segurança. Sete dos homens continuaram sentados, rindo. O oitavo saltou para
trás da mesa, tentando proteger-se. A granada não explodiu, era falsa. Quando
ela silenciou, após um pequeno sopro de fumaça, a porta abriu-se novamente e o
homem que se escondera atrás da mesa foi rejeitado: reagiu sem pensar (e seu
nome nunca foi divulgado). Os outros sete - rapidamente haviam concluído que
aquilo só podia ser uma brincadeira - foram apresentados à imprensa: Shepard,
Grissom, Carpenter, Glenn, Schirra, Cooper e Slayton.
Na Lua, sem descer - A equipe da Apoio 13
só poderia reagir como reagiu: de maneira serena, eficiente, rápida. Surpreendida
pelo desastre na viagem de ida, não mostrou medo. Os astronautas apenas
sentiram decepção por não poderem levar sua missão até o fim. Mantendo uma
troca intermitente de informações técnicas, tomaram as primeiras providências
com absoluta precisão. Sabiam que do ponto onde estavam, mais próximo da Lua
que da Terra, teriam de continuar em direção ao satélite natural e contorná-lo,
por uma razão muito simples: quando um garoto vem correndo e quer voltar também
correndo, sabe que basta contornar um poste com a ajuda do braço - com isso não
perde o impulso inicial. E foi o que fizeram. Contornaram a Lua e ligaram os
motores para impedir que entrassem em órbita lunar.
Mesmo com as reservas de água, oxigênio e
eletricidade se extinguindo, enquanto o ambiente do Aquário (módulo lunar)
tornava-se cada vez mais contaminado pelo dióxido de carbono, os astronautas
não perderam o "senso de humor americano". Acharam muito engraçado,
por exemplo, comerem hot dogs com mostarda, ao invés de usarem ketchup como
recomendava o cardápio do manual. E faziam também piadas com seus companheiros
em terra:
Haise: "Jimmy e Jack (Lovell e
Swigert) estão no dormitório em cima, tirando uma sesta."
Houston: "Não sabemos da existência
de qualquer dormitório em
cima. Informem se já está nevando a bordo."
O módulo de comando transformado em dormitório,
enquanto o Aquário encarregava-se de aproximar-se da Terra, estava gelado
porque todos os seus sistemas foram desligados e mantidos em reserva. Mas nem o
frio intenso os impedia de dormir. Na quinta-feira, penúltimo dia da perigosa
aventura, o moral continuava alto. O humor, porém, ainda constante, ganhava
alguns toques melancólicos:
Houston: "Como vão as coisas aí, Jim
(Lovell)? Alguém dorme?"
Lovell: "Acho que Jack e Fred estão
dormindo. É tudo meio cômico, Fred dorme no túnel, de pernas para o alto, com a
cabeça batendo na tampa do motor de subida. E o Jack dorme no chão do Aquário,
com cintos de segurança enrolados no braço para não sair flutuando por aí. De
acordo com o manual, isso poderia ser chamado de dormir?"
Ao lado, o defeito - Na sexta-feira pela
manhã, os astronautas preparavam-se para fazer a última correção na rota. As
instruções de Houston e as respostas de Lovell continuaram atravessando o
espaço no mesmo tom de voz monótono e arrastado. Não era possível perceber
qualquer ansiedade ou preocupação, embora a operação, como da vez anterior,
fosse extremamente delicada. Em condições normais, a nave poderia corrigir seu
rumo quantas vezes fosse necessário, mas agora a energia esgotada do módulo de
comando tinha de ser poupada tanto quanto o próprio ar que os tripulantes
respiravam nos estreitos compartimentos da cabina. O esgotamento das baterias
ou um erro de cálculo poderiam significar uma viagem sem fim pelo espaço. As
9h53 (Brasília) Lovell ligou os motores do Aquário. Durante 23 segundos, os
três homens praticamente prenderam a respiração, preocupados em observar a Lua
e as estrelas que tomaram como pontos de referência. O funcionamento dos
motores diminuiu a velocidade da nave em 3 quilômetros por
hora, deixando-a em condições de reingressar na atmosfera com um impacto ideal.
Finalmente, de Houston veio a voz tranqüilizante:
Houston: "OK. Bom trabalho."
A Terra, azul, parecia agora. mais próxima e
acolhedora do que nunca, apesar dos 57.000 quilômetros
a serem ainda percorridos. Velocidade da Odisséia: 9.900 quilômetros
por hora.
10 horas. A contemplação é interrompida por nova
ordem:
Houston: "Podem soltar o módulo de
serviço quando estiverem prontos. Não há pressa. Quando quiserem."
Lovell: "OK. Parece tudo bem... aqui
vai o MS."
Os motores do ML foram ligados para o desengate.
Simultaneamente, Swigert, na nave de comando, acionou os grampos explosivos que
prendiam o MS à Odisséia.
Houston: "Uma beleza, uma beleza.
Muito bem. Desprendeu sem problema."
Ao passarem ao lado do módulo abandonado, os
astronautas puderam finalmente ver a extensão do desastre sofrido.
Lovell: "Está faltando um lado
inteiro dessa nave. Olhem só isso! Espere, um minuto. Bem ao lado da antena
principal, um painel inteiro de 7 metros saltou fora, quase desde a base do motor."
Houston (impassível): "Anotado."
Lovell: "Parece que o motor principal
também foi atingido."
Houston: "Vocês podem ver o motor
pelo buraco?"
Lovell: "Do jeito que está, parece
apenas uma faixa marrom escura. Está tudo arrebentado."
Houston: "Tirem fotos. Mas não façam
manobras desnecessárias. E, Jim, especialmente, não queremos manobras de
translação."
Com as fotos, os cientistas da NASA tentarão
descobrir a causa da explosão dos tanques de combustível. As 13h43 (Brasília),
a última operação foi ordenada de Houston: o desligamento do fiel Aquário.
A Terra em festa - As últimas manobras no
espaço já não deixavam, na Terra, nenhuma dúvida: a Odisséia chegaria bem. Nas
casas de Lovell e Haise as crianças e alguns convidados permaneciam, de olhos
fixos nos televisores. Os champanhas gelavam nos refrigeradores Marilyn Lovell
não estava em casa. Fora
a um salão de beleza preparar-se para festa da chegada do marido. Seu filho
Jeffrey parecia mais preocupado com a tartaruga que recebera de presente (batizada
com o nome de "Aquarius") Em Denver, o casal Swigert convidara um
grupo de amigos para comemorar.
No silêncio do espaço, a Odisséia, cada vez mais
impaciente por atingir seu objetivo, voava a velocidades fantásticas sugada
pela atração da gravidade terrestre. Às 13h43, quando os três tripulantes já
estavam instalados na nave de comando, depois de terem fechado o túnel de
ligação com o ML, ela se movia a mais de 20.000 quilômetros
por hora. Apenas 24 minutos a separavam do pouso no oceano Pacífico.
Finalmente, o ML foi também desligado. Ao se lançarem no espaço, abandonados às
forças naturais do planeta, Lovell deixou escapar a única frase carregada de
emoção. Era uma espécie de gratidão expressada por um homem-quase-máquina à
máquina que, a seus olhos, se tornara quase humana: "Adeus, Aquário. E
muito obrigado".
Os extraordinários navegantes estavam no fim da
sua aventura. Terminava a principal missão dos tripulantes da Apollo, que não é
científica mas sim a de testar a astronave na prática. Trouxeram desta viagem
uma conclusão: os desenhistas do projeto não deixaram nada à sorte - como no romance
"Perdido no Espaço", do ex-piloto de provas e candidato rejeitado a
astronauta Martin Caidin. A nave tem 56 motores, cada um com duas partidas.
Necessitam somente de uma, mas previram duas para aumentar a segurança. Cada
motor de partida com dois sistemas de ignição. E os fios que saem das baterias
foram dispostos de modo que, mesmo falhando as baterias, ou os interruptores,
ou os motores, o conjunto todo não pode deixar de funcionar. O sistema de
propulsão da Apollo não admite falhas. Há nele tanta peça em duplicata, que até
mesmo os dispositivos de emergência são providos de seus próprios dispositivos
de emergência. É infalível. Só mostrou um defeito: falhou.
Se na missão houvesse cientistas e não pilotos de
provas, o vôo fracassaria. Para ir à Lua, ainda não chegou o tempo dos homens
normais