Por que
ainda esperamos que Laika, a astronauta canina, volte para casa
Escrito por Becky Ferreira
8
November 2016 // 12:26 PM CET
Em 3 de novembro de 1957, a vira-lata Laika se
tornou o primeiro animal a visitar a órbita terrestre. Ela fez parte da Sputnik
2, uma missão que garantiu a vantagem do programa espacial soviético em relação
ao americano durante a Guerra Fria. Sua viagem foi um marco da exploração no espaço e, desde então, Laika é
símbolo internacional de superação diante de adversidades.
A aura heróica que cerca a mais famosa cosmonauta
canina tem seu lado sombrio, porém. Poucas horas após ela desbravar o espaço
sideral, Laika entrou para a história por se tornar o primeiro animal a morrer
no espaço.
Por décadas, oficiais soviéticos esconderam como,
quando e porquê Laika morreu. Alegavam que ela teria morrido de forma indolor
alguns dias após o lançamento. Alguns chegaram a afirmar que a vira-lata teria sobrevivido por
uma semana. Mas, em
2002, Dimitir Malashenkov, um cientista que participou da
missão, acabou com meio século de rumores ao admitir que Laika morreu em sua
quarta volta ao redor da Terra, cerca de cinco a sete horas após o lançamento.
Além disso, sua morte foi tudo menos indolor.
Os soviéticos podem ter tido uma breve vantagem em
relação aos americanos, mas isso não significa que seus foguetes estavam
prontos para serem lançados. O Sputnik 2 foi lançado menos de um mês depois do
Sputnik 1, e o objetivo nunca foi trazer Laika de volta à Terra. O plano era
sacrificá-la com ração envenenada após alguns dias de testes, mas, em vez
disso, uma falha no sistema de
controle de temperatura resultou em sua morte por hipertemia.
As últimas horas de Laika foram marcadas pelo medo.
Durante o lançamento, seu ritmo cardíaco
triplicou. Sem um
treinador para acalmá-la — ao contrário do que
acontecia após os testes — a vira-lata demorou mais do que o normal para se acalmar. Tão logo o
estresse do lançamento chegou ao fim, Laika foi exposta à umidade e ao calor de mais de 37º C, o que causou sua morte.
É doloroso imaginar a morte dessa pobre cadela
nascida nas ruas cruéis de Moscou. Laika morreu sozinha e aterrorizada no meio
no espaço sideral. O mais trágico é que, alheia a seus planos, Laika confiava
completamente em seus cuidadores. O cientista Vladimir Yazdovsky, por exemplo,
levou Laika para brincar com seus filhos antes do lançamento. "Eu queria
fazer algo bom para ela", disse Yazdovsky anos mais tarde. "Ela tinha pouco tempo de
vida."
Para aqueles que defendem tanto os direitos dos
animais quanto a exploração espacial, Laika representa grave crise de
consciência. Por mais que ela tenha sido símbolo adorável das primeiras
explorações espaciais, também representa o debate sobre o uso de cobaias em
prol do avanço científico.
Sim, ela ocupa um lugar invejável na história da
exploração espacial. Mas enquanto os astronautas soviéticos e americanos
concordaram em arriscar suas vidas, Laika nunca pôde fazer o mesmo. Ela morreu
sem saber onde estava, por que estava flutuando e se voltaria para casa.
A natureza dúbia do destino de Laika foi
reconhecida de imediato. Há décadas sua morte suscita o debate sobre os
direitos dos animais. Muitos
argumentaram que sua contribuição para a exploração espacial nunca compensaria
o medo e a dor que sentiu. Até mesmo Oleg Gazenko, que trabalhou com
Laika no
treinamento, admitiu em 1998 que se arrependia de tê-la mandado para a morte
certa. "Quanto mais tempo passa, mais culpa sinto", disse em conferência
realizada em Moscou no final dos ano 90. "A missão não foi esclarecedora o suficiente
para justificar a morte do cachorro."
O tom agridoce que rodeia a vida e a morte de Laika
garantiu seu estabelecimento como figura permanente na cultura pop. Existem
muitas obras de arte inspiradas em sua história, entre elas a ilustração que
abre essa matéria, de autoria de Jenny Schukin, e o retrato acima feito por
Lars Brown, que ilustram tanto a faceta heróica quanto melancólica dessa
jornada. O estúdio de animação responsável por Coraline, Paranorman
e Os Boxtrolls foi nomeado em sua homenagem, assim como o jogo de Playstation
Planet Laika.
Além disso, várias músicas já prestaram homenagem ao seu
papel duplo de pioneira e mártir, muitas vezes expressando esperança de que ela
irá um dia retornar. O verso final de "Laika", da banda Kill Hannah,
por exemplo, diz: "I know how alone you feel so far away/ While they
pretend to remember you/ Laika, I'll make you proud/ Is Laika coming home?
Laika, please come home" ("Eu sei o quão sozinha você se sente aí
em cima/ Enquanto eles fingem se lembrar de você/ Laika, eu vou te orgulhar/
Laika, você está voltando para casa? Laika, por favor, volte para casa").
Esse mesmo sentimento foi expressado por outros
artistas e escritores. Quando fãs ficaram incomodados com a morte de Laika na graphic novel de Nick
Abadzis, Laika, Abadzis
escreveu um final alternativo no qual ela se transforma no Cosmodog, uma
entidade superpoderosa determinada a se
vingar daqueles
que a mandaram para o espaço.
Laika em
seu túmulo. Crédito: National Space Science Data Center
O fato de Laika inspirar o desejo
de revisionismo otimista 57 anos após sua morte é um atestado de sua relevância
como símbolo ideológico. Cachorros são representações indiscutíveis de lealdade
e amor, e será sempre difícil aceitar a crueldade com que os cientistas traíram
a confiança de Laika.
Mas, ao mesmo tempo, chegar à Lua
é a conquista mais espetacular da história da humanidade, e é improvável que
tivéssemos chegado lá sem sacrificar dezenas de vidas animais e humanas. O fato
de uma humilde vira-lata simbolizar essa luta é ao mesmo tempo trágico e
comovente.
Laika nunca vai voltar para casa.
Mas os sonhos, ideias e controvérsias que ela inspirou estão aqui para ficar.
Tradução:
Ananda Pieratti
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Wednesday, March 01, 2017
Laika, heroina dos ceus: lamentos tardios
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