Sunday, November 13, 2016

Amor, amor, amor



Escolho amar outros homens gays negros








 
Se tomarmos a grande mídia como referência,  é fácil imaginar que o amor romântico entre dois homens gays negros praticamente não existe. Exemplos famosos disso são os jogadores Michael Sam e Derrick Gordon que tem parceiros brancos e, mais recentemente, o personagem central na trama do seriado Empire (do também preto Lee Daniels) que tem um namorado mexicano facilmente lido como branco. Sinceramente, quando os poucos modelos de homens negros gays bem sucedidos estão atados a pares brancos, acredito que a mensagem implícita nesses casais é que o amor entre nós é inexistente. E, irritantemente, o debate acerca desse amor se pauta na branquitude, e não no amor entre nossos iguais.

Acho que precisamos falar sobre o amor entre nós mesmos, porque, infelizmente, a impossibilidade de um amor gay negro não é um conceito apenas da mídia mas entre gays negros também. Não é necessário ir muito além dos aplicativos de pegação para detectarmos negros cheios de auto-ódio. Perfis que mais parecem tratados de fronteira do que as atraentes chamadas que elas deveriam ser. Frases tais como: “não curto afeminados” ou “só transo com pretos machos de verdade” são usadas como carimbos de passaporte que restringem as possibilidades de pareamento.

Contudo, embora a mídia faça parecer que negros gays – especialmente os ricos e graduados –  só encontram segurança e conforto em braços brancos, tenho dificuldades para pensar em algum tipo de relacionamento – não fisicamente abusivo – capaz de provocar em mim maior estranhamento e preocupação. Meus envolvimentos amorosos não deveriam ser uma situação onde me pergunte se sou fetiche de alguém, ou onde eu precise explicar as nuances da minha vivência cultural, assim como os traumas sociais com que lido diariamente desde que nasci. Não estou dizendo que relações interraciais devem ser evitadas. Não sou contra esse tipo de amor, apenas pró-afrocentramento.

Acredito que por sermos gays e negros, temos que ser zelosos com nossas escolhas românticas. Justamente porque vivemos numa sociedade que condena como e quem escolhemos amar. Portanto, escolher amar outros homens negros é tanto um ato de amor próprio quanto de resistência política. Como definiria Joseph Beam, se trata de um ato revolucionário – apesar de bastante dificultoso. Porque ser um homem negro gay que escolhe amar outro igual, significa que temos que amar superando os danos psicológicos e emocionais que o mundo nos impôs.

Na minha vida, o tipo de amor que mais me fez bem foi o amor entre negr@s. Quando era um garoto no subúrbio de Detroit, os referenciais de amor que me eram mais visíveis e notórios eram os afrocentrados. O amor por vezes ríspido, porém honesto e magnânimo afeto de mulheres negras, o problemático e teatral amor de homens negros e o afiado, vibrante e enérgico amor que recebi dos meus colegas. Embora não haja uma noção única do que seja o amor negro que seja pura e pleno, todas as vezes em que eu experimentei amor na sua forma mais radical e edificante a outra pessoa era negra. Um tipo de amor que entende o que significa ser descendente de escrav@s, sujeito aos traumas do passado e do presente que se desencadearam a partir disso, mas ainda assim persistir nessa vida com “paixão, compaixão, humor e estilo“.

Pra ser honesto, boa parte da força que encontrei no amor que recebi de negros veio de mulheres. Quando os homens negros mais velhos da minha vida tentavam demonstrar afeição por mim sempre era atravessado por algum tipo de provocação ou agressividade. Depois de adulto, na comunidade gay negra, não faltam exemplos de gongação e noções patriarcais de masculinidade, mas também vivenciei grandes amores românticos e platônicos com outros gays negros. Como o primeiro cara que me levou pra fazer exame de HIV, aqueles que me consolaram quando passei por problemas na minha família, que se esbaldaram comigo na pista de dança, e que demonstram adoração totalmente desinteressada por mim, ainda que esses relacionamentos não tenha durado muito tempo.

Então, ao invés de focarmos nas dificuldade inevitáveis nas relações homofoafetivas entre negros, talvez seja a hora de reorganizarmos a maneira que tendemos a encarar o assunto. Podemos começar questionando o que significa para dois homens se amarem numa sociedade na qual são ensinados a não expressar esse afeto. O que significa escolher amar outro homem negro quando os corpos de quem amamos estão sujeitos a atos desproporcionais de violência, pobreza e inúmeras desigualdades? O que significa amar outro homem gay quando o amor entre negr@s  já é tão carregado de descrença? Uma forma de amor que considerada inexistente, sem modelos onde se espelhar visto que nos dizem que no início era Adão e Eva e não Adão e Ivo.

Apesar de todo o auto-desprezo e das pouquíssimas chances de dar certo, escolho amar romanticamente uma bicha nagô. Faço isso porque acredito que amar é um ato político, e que se realmente nos amamos e queremos mudar a nossa comunidade, devemos nos vermos representados nela. Se algum dia, por alguma razão desconhecida eu me encontrar num relacionamento tradicional e mainstream, é sem peso na consciência que eu faço questão de que seja com outro negro. E essa intenção não se trata somente de afeto e amor, mas sim uma decisão política. Numa sociedade que invisibiliza a homoafetividade negra, e que investe bastante tempo focando para os poucos gays negros de destaque sejam visto com um branco a tira colo, eu escolho afrocentar. Amar alguém tal como eu sou. Amar outro ser que também resiste nesse país que silencia nossas reflexões.